É fácil se perder no estudo das estruturas desvencilhando-o das demais disciplinas da grade curricular do curso de Engenharia Civil. Pessoalmente ainda busco o motivo de fazermos isso. E não somente na graduação. Mas, sendo estudante de doutorado, tendo feito, já, um mestrado, três pós-graduações e outro mestrado que não concluí e outra especialização que concluí (faltando concluir ainda, uma que está em andamento), percebo que este erro é perpetuado em todos os níveis de estudo.
Isso é um erro sem tamanho e que custa vários bons engenheiros por ano. Mas, não me prolongando na constatação desse fato - ficando aberto, meu e-mail, para possíveis discussões – venho apresentar uma boa relação entre duas áreas amigáveis mas desconectadas por não haver interação dos estudantes de estruturas com a área de Ciência e Engenharia dos Materiais.
O texto de hoje visa apresentar-lhes dois pontos onde essas duas áreas são extremamente conectadas assim como explicar uma teoria chamada de Princípio de Saint Vernant - sua influência no estudo das estruturas e dos materiais -, conectar os conhecimentos de Materiais e Estruturas explicando como ocorre a flambagem.
Vamos começar com um pequeno questionamento. Vendo a figura 1, não acham estranho que instantaneamente uma força concentrada, ao atingir um corpo sólido magicamente se distribua em várias outras forças menores distribuídas em uma superfície (tensão)!?
Figura 1 – Distribuição instantânea de cargas (convertendo-se em tensão)
Pois bem... Deixe-me apresentar-lhes um conceito da ciência dos materiais que explica como os materiais transportam as cargas dentro de suas microestruturas. A primeira coisa que precisamos conhecer são as células unitárias. Explicando-as da forma mais simples que encontrei: São a organização tridimensional mínima que se repete microscopicamente em um material. Ou seja, o menor padrão formado pela ligação de seus átomos.
A figura 2 mostra a ampliação de uma parte de um corpo sólido. A primeira ampliação mostra a organização de uma parte conhecida como grão. Um grão é o resultado da solidificação desse corpo ou de sua organização sob pressão de forma microscópica, mas que não se repete ao longo de todo ele. Ou seja, um corpo é formado por vários grãos. Com mais uma ampliação, verifica-se que esse grão é formado por uma simples repetição tridimensional de átomos em sua composição.
Figura 2 – Ampliações sequenciais da microscopia de um corpo sólido.
O corpo em questão possui uma organização Hexagonal Simples. Existem várias outras. Recomendo a leitura de Callister (2006) para uma compreensão mais robusta. Essa estrutura Hexagonal Simples é, nada mais do que átomos que se organizam ocupando os pontos dos vértices de dois hexágonos garantindo que todos os átomos se toquem, como mostra a figura 3.
Figura 3 – Mínima organização de átomos no corpo-exemplo.
Outra organização simples de observar é que esses grãos também podem ser divididos em planos, como mostra a figura 4. É exatamente essa divisão planar que será utilizada por nós para entendermos como as forças caminham em um corpo.
Figura 4- Divisão planar de um grão
Como o carregamento que estudaremos é uma carga concentrada, utilizaremos esse conceito de “Carga Concentrada em um ponto” extrapolando o conceito de “ponto” como sendo um átomo. Tomaremos a visão superior de um plano, mostrado na figura 5 para explicar o caminhamento das cargas dentro de um corpo.
Figura 5 – Divisão Planar com a entrada da carga no corpo através de um átomo
Como as cargas precisam de um corpo para se transmitirem e, tomaremos que os espaços interatômicos são vazios por onde a carga não consegue se dissipar, então o carregamento vai se distribuindo gradualmente átomo-por-átomo até que ocupe toda a área disponível no corpo (Figura 6) virando, assim a tensão que temos assumido (distribuída em toda a área). Ou seja, na região próxima à carga, a tensão é muito mais alta do que em um plano mais distante do ponto de aplicação da mesma. E quanto mais nos afastamos, mais uniformes são as tensões e esse é o princípio de Saint Vernant.
Figura 6 – Cargas de compressão se distribuindo em um corpo.
Este conceito ainda não está completamente apresentado. Haja visto que uma compressão reduz o volume de um corpo, então as distâncias interatômicas tendem a se reduzir (devido à introdução de uma força de compressão) e puxar os outros átomos que não receberam as cargas de compressão apresentadas na figura 6. Esses átomos são tracionados para manterem sua proximidade com os átomos marcados com setas vermelhas (cargas de compressão), que encolheram-se. Portanto, existe, sim, uma certa distribuição de tensão superficial instantânea. Mas, Há de se lembrar que mesmo as “trações” que aparecem são na direção de compressão (direção de análise), que tende a, mesmo puxando o átomo, reduzir o volume do corpo, o que acarreta em compressão analítica. Isso é mostrado na figura 7.
Figura 7 – Distribuição das cargas de compressão e tração.
Imaginando um corpo de prova cilíndrico de concreto armado, as tensões se distribuem conforme a figura 8, em vista de corte no plano vertical central. Essa figura apresenta as diversas tensões em 4 seções partindo do topo até uma seção genérica onde as tensões tenham se uniformizado. Observem que as tensões vão uniformizando-se quanto mais distante do plano de aplicação da carga exatamente como mostra a figura 6. As mesmas tensões são apresentadas com distribuição tridimensional na figura 9.
Figura 8 – Distribuição das tensões no plano central vertical
Figura 9 – Distribuição tridimensional das tensões nas mesmas seções mostradas na figura 8
É por causa do princípio de Saint Vernant que as sapatas tem o formato semi-piramidal mostrado na figura 10. Já que a carga do pilar pode ser considerada uma carga pontual e o concreto não resiste bem à tração interna, então não faz sentido termos uma sapata retangular, por princípios estruturais. Em obras fazemos algumas vezes sapatas retangulares por mera simplificação construtiva devido ao aumento da velocidade da obra.
Figura 10 – Sapata semi-piramidal
Os efeitos de deformação irregular causado por causas concentradas e que apresenta a deformação citada nessa explanação sobre o princípio de Saint Vernant são mostrados na figura 11.
Figura 11 – Deformações irregulares explicadas pelo princípio de Saint-Vernant*
O princípio de Saint-vernant foi utilizado como base para o desenvolvimento das armaduras de fretagem de tubulões, elementos protendidos, ensaios tecnológicos, definição das geometris principais de peças e corpos de prova além de servir como um conceito inicial no desenvolvimento dos estudos de tensões, transmissividade de cargas, influência da ciência dos Materiais na área de Estruturas e outras aplicações desde as mais simples às mais avançadas prática e teóricas. Aprendendo os conceitos básicos bem, agora e expandindo seu estudo através de livros e exercícios, você conseguirá seguir com passos firmes o desenvolvimento teórico do seu aprendizado na área.
*- Figura adaptada de glossário de Engenharia Elétrica. Disponível em: http://glossarioeletricadoctumjm.blogspot.com/2017/01/principio-de-saint-venant.html. Acessado em 03/05/2020